segunda-feira, 20 de setembro de 2010

OS PORCOS

Vinha um porco caminhando, em seu balanço desengonçado, desajeitado, quase não se cabendo em seu próprio excesso de gordura, roncando, como quem resmunga, queixando-se da sua fome, que é tanto que não encontra o suficiente para se satisfazer, e nem lhe dão toda a comida de que quase sempre precisa. E assim ia roncando , roncando, a cabeça baixa, virando de um lado para o outro, indiferente aos olhares censuradores dos transeuntes que ora passavam naquela rua de terra e com um amontoando de lixo a certa altura do trecho.
Estava totalmente imundo, o que fazia pessoas cuspirem ao passar por ele e afastaram-se mal podendo olhá-lo, tamanho a repugnância que sentiam. Mas o porco nem ligava e seguia roncando, roncando...
Parecia demonstrar até certo prazer e satisfação pela sua condição existencial, desfrutando do seu habitat como um paraíso amado, sem preocupar-se com nada, só em fuçar, e ainda aparentando a mais serena tranqüilidade. Desta forma ia o porco desfilando ante a presença de gatos, cachorros, galinhas, galos, perus, patos, urubus, outros animais, e pessoas que, de forma geral, vêem no porco uma triste figura e uma triste sina de vida. Ontem mesmo pegaram um seu semelhante para matar. Foi tão grande a chiadeira, a rebeldia, os protestos em grunhidos, que partia corações. É , apesar de tudo, o porco gosta de ser, e tem toda essa tranquilidade. Se soubesse o quanto tantos humanos desesperam-se por viverem num mar de lama social... Um outro porco, da mesma forma, vinha do outro lado, gordo, fuçando ali e acolá, roncando, roncando, procurando, algo apetecível que pudesse saborear. Encontra-se a certa altura então, e, ao modo das formigas, que, quando caminhando em direções opostas se encontram, param uma em frente à outra para trocar umas ideias, os nossos personagens pararam um em frente ao outro e o primeiro porco então falou: - Mataram ontem o nosso primo Augusto!
O segundo porco ficou espantado com aquela declaração. Indagou por sua vez então: - O que Barroso?! Eram dele aqueles chiados desesperados que ouvimos? Bem que desconfiei...! - Completou. Barroso então confirmou com tristeza: - Sim, eram dele, pobre coitado; era um grande camarada. Chorei um bocado. Que ódio me deu... Triste, Tertúlio... - acrescentou ainda com indignação. Tertúlio bastante melancólico, suspirou dolentemente: - É para isso que existimos... Triste sina a nossa. Só nos resta a depressão. - Juntou Barroso, no mesmo tom melancólico. - E nessa depressão comer, comer, comer sem parar... - Entrou Barroso ainda triste. - E fazer de conta que nada está acontecendo... - Continuou Barroso com uma ponta de revolta. Uma revolta abafada pelo nada poder fazer. Uma tristeza sombria os revolvia no silêncio. O qual Tertúlio quebrou pela curiosidade que o tomou de repente: - Como sabe que era o Augusto? - Fiquei de espreita, numa fresta por detrás do estábulo. Vi tudo! - Barroso respondeu de modo vivaz. - Foi? - Tertúlio, arregalado os olhos, surpreso. -E como fazem? - perguntou com alguma ânsia. - Amarram-nos e sangram-nos o pescoço com uma faca grande e pontuda. - Respondeu Barroso com ar incrédulo. - Você possui um coração duro, Barroso. Como conseguiu ficar olhando? - Tertúlio estava impressionado. - Tive muito medo. - Respondeu Barroso, parecendo ainda assustado. - Mas também muito coragem e determinação. - Completou em surdina. Ficaram um tempo em silêncio, triste, pensando. - Um dia chegará a nossa vez... - Falou Barroso em tom mal conformado - Que chegue... - Tertúlio respondeu resignado. - Todos temos que morrer mesmo. Se morre de várias maneiras, mas a morte é uma coisa só. - Filosofou. - Mas eu também não vou aceitar calado não ! - Barroso prometeu, ameaçador. - E Tertúlio assentiu solidário. Ficaram um tempo pensando no fato.- Tomara que peguem uma doença terrível e morram em seguida! - desabafou Tertúlio. - E ainda nos têm como os nojentos... - Criticou Barroso com desprezo. - Ai que depressão. - lamentou Tertúlio - E quase que não se acha nada para comer por aqui... - É - concordou Barroso - Hoje não está muito bom e eu estou com uma fome mais do que nunca. - Vamos lá no montão. - Convidou Tertúlio. - Talvez tenha alguma coisa recente. - É, vamos... - Resolveu Barroso. E seguiram então pareados , em busca de comida e conversando aos roncos os seus assuntos, que porco com porco se entende...

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